terça-feira, 16 de janeiro de 2007

E agora pra onde vamos...

Levanta de manhã e põe a cara na janela,
olhando a paisagem do lugar em que cresceu.
Pensa num tempo que já aconteceu.

Olha a igreja evangélica e o boteco do Rubão.
Puta que pariu! O ponto é no outro quarteirão!
Com o bilhete único no meio do busão,
mais um código de barras integrando a multidão.

Duas horas já passaram e ele está no Paraíso,
se confunde entre patys, boys, executivos,
tipos alternativos, são todos ostensivos.

Vai pra uma festinha no Itaim Bibi:
música legal, um vinho do bom,

o lugar não é dele, nem é dele a geração

Existe também uma questão de classe,
então disfarce,
seja discreto,
2006 na selva de concreto.

Então dois mundos se chocam em frente ao rapaz
e no choque ele percebe, voltar não dá mais.

Não sabe o que fazer, não sabe o que dizer,
não sabe como agir, pois é, não tem como fugir.

E na busca dessa tal dignidade,
liberdade, igualdade, fraternidade,
o rapaz foi consumido pela cidade.

O pacto foi feito, não tem jeito.
Agora é segurar esta angústia dentro do peito.

Enquanto nessa busca não encontra o refrão,
vai caminhando, cantando e seguindo a canção.

[música resultado do Processo Macário, autoria de Danilo Minharro.]


Ao término do processo anterior - Paisagens Românticas -, questões e inquietações surgiram como resultado mesmo da pesquisa que enunciou o trajeto pela cidade e o olhar do grupo sobre este trajeto. Um dos pontos desse olhar é a origem dos próprios integrantes do grupo, sugerindo questões como: Quais potencialidades emergiram neste lugar de onde vem o grupo? Como se lida com ela? Qual a relação dela com a cidade? O grupo pretende então aprofundar esta pesquisa, procurando observar e refletir sobre os lugares físicos e afetivos que compõe essa paisagem.

Se anteriormente o grupo trabalhou com a trajetória pela cidade - o caminho para a escola, para o trabalho, para a vila - apresentando a rua de fora dela, uma outra necessidade emerge neste momento: a de se estabelecer uma proximidade ainda mais intensa com a rua, como se, reconhecendo o pacto com a cidade e a impossibilidade de se retornar pelo caminho já percorrido, fosse o momento então de assumir esse contato com a rua e se ir radicalmente em direção a ela.

Discussão Final do Processo Paisagens Românticas

Macário: Tem-se me contado muito bonitas histórias. Dizem na minha terra que à noite as moças procuram os mancebos que lhes batem à porta e na rua os puxam pelo capote. Deve ser delicioso! Quanto a mim quadra-me esta vida excelentemente; nem mais nem menos que um sultão escolherei entre as belezas vagabundas a mais bela. Aplicarei contudo o ecletismo ao amor. Hoje uma, manhã outra: experimentarei todas as taças. A mais doce embriaguez é a que resulta das mistura dos vinhos.

Satã: A única que tu ganharás será nojenta. Aquelas mulheres são repulsivas. O rosto é macio, os olhos lânguidos, o seio morno... Mas o corpo é imundo. Têm uma lepra que oculta no sorriso. Bofarinheiras de infâmia dão em troco do gozo o veneno da sífilis. Antes amar uma lazarenta.

Durante o processo anterior as questões que o texto “Macário” nos trazia redimensionaram-se na mesma medida que o sentido da trajetória. As coordenadas que dão o tom na nossa experiência – o ponto de partida, a Zona Leste, o lugar aonde se chega, o Centro – vão se transformando para reconfigurarem-se noutro espaço, aproximando os pontos dessa trajetória, criando entre eles uma intersecção, um terceiro lugar que não é centro e não é periferia. Rompe-se em alguma medida com o ponto de partida, aproxima-se em alguma medida de um outro universo, todavia, esse quadro não configura adesão a nenhuma das partes. A experiência forja um novo olhar, redimensiona o ponto de vista.

Estamos na cidade. Dentro desta, as rotas da nossa afetividade expandem-se, ramificam-se. Nosso ponto de partida é repensado. O verbo é investigar. O objeto é o cerne da nossa origem, a Zona Leste.